"O homem sensato é capaz de perceber um problema, mas incapaz de criar outros tentando resolvê-lo..."
A maioria dos nossos receios não são criações espontâneas, mas induções voluntárias..
Não podemos negar nossos receios, tais coisas de fato existem. Não se
trata de fantasia ou delírio psicológico. Todos os têm. São temores
pessoais, coletivos, inconscientes, e há um número incontável de
qualificações e explicações para todos os nossos medos.
Mas conhecer as causas dos nossos receios, novos e velhos, não resolve o
problema do medo. A causa é uma coisa, o sentimento medo é outra. As
causas, estas podemos evitar, o sentimento de medo, aparentemente não.
E ainda há o receio de tudo que se oponha ao nosso bem estar. E a coisa a
princípio é muito simples. Fomos orientados desde cedo para buscar, em
todas nossas ações, satisfação pessoal, e o mais importante, sempre
negando a possibilidade da ocorrência dos eventuais e indesejáveis
efeitos colaterais.
Assim, qualquer obstáculo que se coloque como impedimento ao princípio
básico da autosatisfação, será para nós uma causa, a porta através da
qual o medo, em uma de suas incontáveis nuances, poderá se manifestar.
Satisfação quer dizer, sossego, saúde, prazer, sucesso, e todas as
variantes de realizações bem sucedidas. E há também o status de ser
reverenciado e reconhecido como capaz. Logo, a ideia de poder está
implícita nessa relação, assim como o receio de não se obter nada
disso.
Sabemos bem que a coisa através da qual o medo se manifesta em nós, não é
propriamente o “estado de medo”. A causa é o despertador, o ponto de
partida, a condição, e pode ter incontáveis motivos. Já o sentimento de
medo, este é um estado emocional inato e que embora necessite de um
motivo para aparecer ou se manifestar, não precisa de nenhum para
existir.
É fato conhecido que a barata, o inseto, é para muita gente a causa de
fobias, conscientes ou inconscientes. Mas também sabemos que, em
determinadas culturas, pessoas idolatram a barata como objeto de
fetiche, e outros a tem como uma fina iguaria em sua culinária. E assim
podemos perguntar: por que a barata não assusta a todos?
A resposta é simples, porque a barata não é o medo, e sim um objeto
qualquer, uma ideia condicionada, a fonte, um processo através do qual o
medo psicológico se manifesta em algumas pessoas ou indivíduos de uma
cultura, mas não em todas. Não sendo em todas, não é o medo.
O objeto causador do medo não é o medo, mas apenas a causa, a
circunstância através da qual o efeito medo se mostra. Através desse
motivo, ele irá emergir das profundezas ocultas da nossa mente, e nos
usará como veículo de manifestação.
Vivemos numa eterna condição onde somos obrigados a escolher. E há o
processo de escolha para tudo. Que caminho devemos tomar para ir ao
trabalho, qual a melhor hora, qual o melhor carro, qual a melhor roupa,
qual o melhor partido para nossa relação matrimonial, qual o melhor nome
para identificarmos nossos filhos.
De verdade, nunca paramos de escolher, e eis uma evidência de que nunca
somos livres. A escolha nos aprisiona. E onde há escolha há sempre
conflito, e onde há conflito não existe liberdade. E onde há conflito e
falta de liberdade não existe discernimento.
O ato de escolher já é o próprio conflito. Escolho porque tenho as
opções; escolho porque não sou livre para fazer o que quiser. Escolho
porque desejo para mim o melhor dentre os disponíveis. Desejo enfim,
garantia de satisfação. Mas se buscamos garantia em alguma coisa, é
porque não há garantia. É porque há a possibilidade de que aquilo não se
concretize, ou não perdure o tempo que julgamos necessário para que
possamos nos sentir plenos, realizados. O que gera a insegurança, quer
dizer, medo. Medo de perder o que já temos, medo de não conseguir o que
ainda não temos, medo de não nos tornarmos aquilo que ainda não somos.
O nosso instinto básico de preservação nos diz que devemos evitar tudo
aquilo, quer dizer, situações, que possam nos agredir, injuriar, por em
risco nossa integridade física. Essa condição, comum entre as espécies
do reino animal, não foi criada pelo pensamento, não depende de
conceituação ou qualquer tratado ideológico criado por acadêmicos.
Trata-se de um processo natural, e é espontâneo. Isto significa dizer
que nossos sentidos estão preparados, de berço, para se comportarem
dessa forma.
Assim, ao sofrer alguma agressão do meio onde vivemos, seja por má
alimentação, seja por acidente, a natureza nos dotou de um mecanismo,
que permitiria memorizar aquele evento, apenas para que não
precisássemos repetir a mesma experiência negativa, uma vez que em casos
críticos, isso poderia ser fatal. A lógica é simples, um erro deve
servir de referência para os acertos, nunca de referência para novos
erros.
Memorizada a experiência, está resolvido o problema. E temos cinco
sentidos e mais traços do nosso temperamento inato que estão
encarregados de avaliar o que é mais adequado ao nosso bem estar. E se
os cinco sentidos somados às nossas idiossincrasias trabalham como
sensores para aferição, há o órgão hospedeiro, para onde são
encaminhadas todas as impressões sensoriais. Ali tudo é documentado,
memorizado, tudo que é experiência gravada, seu nome, cérebro.
Assim, pela lembrança, sabemos tanto quais são os eventos que podem nos
prejudicar, quanto aqueles que podem nos beneficiar. Um evento, efeito,
qualquer que seja, nunca poderá estar dissociado do seu objeto, a causa
que o motivou. Desse modo, há sempre um objeto que nos conecta
diretamente com qualquer problema, seja qual for sua natureza, cujo
resultado seja capaz de proporcionar insatisfação ou prazer.
Não é do escuro que temos medo, mas daquilo que supostamente se esconde lá dentro...
Se temos receio de alguma coisa, o fato de estarmos conscientes desse
receio, não resolve nada. Temos medo de muita coisa. Medo do fracasso,
medo de não agradar ao esposo ou a esposa, medo da obscuridade
existencial. Saber disso não ajuda em nada à superação destes medos.
A solução mais simples para se atravessar um rio caudaloso, certamente
que não é a construção de uma ponte, especialmente se estivermos com
pressa e sem os recursos para isto. Podemos fazê-lo nadando. Mas,
podemos ficar horas, ou dias, imaginando, ruminando, perdido em
elucubrações, sobre o que pode nos acontecer durante a travessia. No
entanto, e se o rio apesar de caudaloso, e da aparência hostil, fosse
raso e suas corredeiras fracas? Poderíamos então atravessar simplesmente
caminhando.
Entretanto, para descobrir se ele é raso, precisamos nos aproximar e
examinar suas águas, e assim conhecê-lo melhor. Mas, nosso pensamento
está contaminado, condicionado pelo princípio da crença. Ele
dificilmente duvida de alguma coisa, por isso mesmo nunca investiga a
veracidade e consistência de nada, inclusive, de suas próprias ideias e
certezas.
Mas, o que é o medo, o racional, psicológico, afinal de contas? Será um
estado emocional, um mecanismo de origem natural, do qual foram dotados
todos os seres vivos, ou algo exclusivamente humano?
Nos animais irracionais há uma condição que é o sentido de preservação,
mas esta não é medo, uma vez que não pode ser racionalizado, calculado,
medido, conscientemente avaliado. E essa condição não podemos
classificar como medo, uma vez que não há uma causa conscientemente
definida. Nesse caso existe apenas o sentido involuntário e instintivo
de preservação em ação.
O medo como o conhecemos e vivenciamos é uma condição essencialmente
racional e emocional, pois só podemos temer aquilo que conscientemente,
com lucidez, seja capaz de nos fazer algum tipo de mal, portanto, algo
conhecido. Assim, não existe medo sem motivo. Uma coisa é certa, como
não existe medo sem causa, a causa de qualquer medo, já é virtualmente o
próprio medo.
E há em nós também o medo instintivo, involuntário, e a este chamamos de
prudência. Sabendo que ao cair em um buraco posso me ferir, evitar o
buraco é necessário, mas não será preciso temê-lo. Isto é precaução
voluntária, lúcida, e aí não existe medo. E há o medo psicológico. Este é
irracional, não depende de uma ameaça concreta, não têm causas
aparentes. Foi criado pelo pensamento, baseado em deduções e
estatísticas, em teorias, em sugestões, é nesse tipo de medo que
estamos, nesse momento, interessados.
A essência do medo, o psicológico, está toda centrada na
imprevisibilidade, na expectativa pelos resultados. Temos medo das
consequências, por isso somos tomados pela irracionalidade. O pensamento
fica confuso, não sabe lidar com a situação, por isso busca nas
respostas prontas, contidas em suas memórias, um esclarecimento capaz de
ilustrar de uma forma que lhe pareça adequada, objetiva, toda situação.
Mas, o que pode parecer adequado, sensato, para uma mente confusa,
desorientada, tomada pelo temor?
E está exatamente aí raiz do problema. A irracionalidade é a falta de
pensamentos coerentes, é patológica, é o fanatismo, a alienação, a falta
de coerência, a lavagem cerebral que me condiciona, me induz a seguir
padrões, sem que, em momento algum, exista uma trégua para reflexão. Um
cérebro condicionado nunca aprendeu a pensar, a questionar, duvidar, por
isso prefere imitar. Está repleto de crenças, se recusa a questionar a
veracidade de qualquer coisa. Deixou de ser curioso, por isso se tornou
irracional, mecânico, acredita que seus temores são coisas reais, assim
como, aparentemente o são, todo seu repertório de crenças pessoais.
Descobrir do que temos medo, só tem valor, se também estivermos
dispostos a descobrir porque o temos. E descobrir porque o temos, só tem
valor se estivermos dispostos a compreender esse medo, como ele é capaz
de nos afetar emocionalmente e fisicamente, quais são os seus prováveis
efeitos e desdobramentos.
Saber que temos medo, isso todos já sabem. Saber do que temos medo, isso
também não é nenhuma novidade, uma vez que o motivo é o próprio medo.
Questionar porque temos medo de tais coisas, pode ser o início da
solução para o problema. Ocorre que não queremos nos aprofundar nos
motivos que acabam por despertar em nós o medo, eles podem revelar
particularidades nossas que preferimos ocultar, esquecer, ignorar.
Assim, compreender tudo isso, pode revelar porque as causas, para nós,
agora constitui um problema.
No entanto, se estou de fato disposto a examinar porque aquilo me
amedronta, preciso olhar também porque tenho medo das consequências, e
enumerar cada uma delas. Depois irei avaliar se tudo isso é racional, se
tem lógica, se é verdadeiro, se meus temores estão ancorados em fatos,
evidências irrefutáveis, e não em ideias, crenças dogmáticas, mitos,
fantasias sem lastro consistente.
Se me sinto inseguro por ser incapaz de assumir responsabilidades,
preciso me perguntar qual é o verdadeiro motivo dessa insegurança. Deve
existir algum receio, uma consequência que me atemoriza. Essa
consequência está amparada por fatos, é coisa real, concreta,
comprovada, irrefutável? Ou, ao contrário, tudo não passa de suposições,
traumas, conjecturas, ou ilusões resultantes de uma lavagem cerebral
que condicionou meu cérebro ao longo dos anos, criando em mim um
comportamento sugestivo e patológico, razão pela qual sempre procuro uma
resposta mecânica diante da situação.
Ser inseguro é ser medroso, é ser covarde, é não ser capaz de assumir
riscos. Mas, esta descrição está muito longe de significar o estado de
insegurança em si, e assim, ao me deixar levar pela descrição, não me
permito compreender e investigar, sentir, constatar em mim, o real
significado daquele estado.
A coisa é simples, se sou inseguro, há um motivo, sem esse motivo não
haveria insegurança, e isso deveria me bastar para compreender a coisa.
Procurar meios de mascarar minha insegurança não resolve o problema.
Preciso constatar que ela existe, que é real, e o mais importante,
admitir que a tenho. Se admito, posso descobrir as causas e resolver de
vez a questão. Pronto, conhecendo os motivos, reconhecendo meus limites,
onde estão meus pontos fracos ou falhos, posso ir além deles.
Como poderei livrar-me de uma falha que há em minha personalidade, se
não reconheço, comprovo, admito, que tal coisa exista em mim? Sem a
constatação do problema, não haverá caminho para investigação da
patologia. Uma doença sem diagnóstico é uma doença para a qual não
existe cura.
"O homem sensato é capaz de perceber um problema, mas incapaz de criar outros tentando resolvê-lo..."
A maioria dos nossos receios não são criações espontâneas, mas induções voluntárias..
Não podemos negar nossos receios, tais coisas de fato existem. Não se
trata de fantasia ou delírio psicológico. Todos os têm. São temores
pessoais, coletivos, inconscientes, e há um número incontável de
qualificações e explicações para todos os nossos medos.
Mas conhecer as causas dos nossos receios, novos e velhos, não resolve o
problema do medo. A causa é uma coisa, o sentimento medo é outra. As
causas, estas podemos evitar, o sentimento de medo, aparentemente não.
E ainda há o receio de tudo que se oponha ao nosso bem estar. E a coisa a
princípio é muito simples. Fomos orientados desde cedo para buscar, em
todas nossas ações, satisfação pessoal, e o mais importante, sempre
negando a possibilidade da ocorrência dos eventuais e indesejáveis
efeitos colaterais.
Assim, qualquer obstáculo que se coloque como impedimento ao princípio
básico da autosatisfação, será para nós uma causa, a porta através da
qual o medo, em uma de suas incontáveis nuances, poderá se manifestar.
Satisfação quer dizer, sossego, saúde, prazer, sucesso, e todas as
variantes de realizações bem sucedidas. E há também o status de ser
reverenciado e reconhecido como capaz. Logo, a ideia de poder está
implícita nessa relação, assim como o receio de não se obter nada
disso.
Sabemos bem que a coisa através da qual o medo se manifesta em nós, não é
propriamente o “estado de medo”. A causa é o despertador, o ponto de
partida, a condição, e pode ter incontáveis motivos. Já o sentimento de
medo, este é um estado emocional inato e que embora necessite de um
motivo para aparecer ou se manifestar, não precisa de nenhum para
existir.
É fato conhecido que a barata, o inseto, é para muita gente a causa de
fobias, conscientes ou inconscientes. Mas também sabemos que, em
determinadas culturas, pessoas idolatram a barata como objeto de
fetiche, e outros a tem como uma fina iguaria em sua culinária. E assim
podemos perguntar: por que a barata não assusta a todos?
A resposta é simples, porque a barata não é o medo, e sim um objeto
qualquer, uma ideia condicionada, a fonte, um processo através do qual o
medo psicológico se manifesta em algumas pessoas ou indivíduos de uma
cultura, mas não em todas. Não sendo em todas, não é o medo.
O objeto causador do medo não é o medo, mas apenas a causa, a
circunstância através da qual o efeito medo se mostra. Através desse
motivo, ele irá emergir das profundezas ocultas da nossa mente, e nos
usará como veículo de manifestação.
Vivemos numa eterna condição onde somos obrigados a escolher. E há o
processo de escolha para tudo. Que caminho devemos tomar para ir ao
trabalho, qual a melhor hora, qual o melhor carro, qual a melhor roupa,
qual o melhor partido para nossa relação matrimonial, qual o melhor nome
para identificarmos nossos filhos.
De verdade, nunca paramos de escolher, e eis uma evidência de que nunca
somos livres. A escolha nos aprisiona. E onde há escolha há sempre
conflito, e onde há conflito não existe liberdade. E onde há conflito e
falta de liberdade não existe discernimento.
O ato de escolher já é o próprio conflito. Escolho porque tenho as
opções; escolho porque não sou livre para fazer o que quiser. Escolho
porque desejo para mim o melhor dentre os disponíveis. Desejo enfim,
garantia de satisfação. Mas se buscamos garantia em alguma coisa, é
porque não há garantia. É porque há a possibilidade de que aquilo não se
concretize, ou não perdure o tempo que julgamos necessário para que
possamos nos sentir plenos, realizados. O que gera a insegurança, quer
dizer, medo. Medo de perder o que já temos, medo de não conseguir o que
ainda não temos, medo de não nos tornarmos aquilo que ainda não somos.
O nosso instinto básico de preservação nos diz que devemos evitar tudo
aquilo, quer dizer, situações, que possam nos agredir, injuriar, por em
risco nossa integridade física. Essa condição, comum entre as espécies
do reino animal, não foi criada pelo pensamento, não depende de
conceituação ou qualquer tratado ideológico criado por acadêmicos.
Trata-se de um processo natural, e é espontâneo. Isto significa dizer
que nossos sentidos estão preparados, de berço, para se comportarem
dessa forma.
Assim, ao sofrer alguma agressão do meio onde vivemos, seja por má
alimentação, seja por acidente, a natureza nos dotou de um mecanismo,
que permitiria memorizar aquele evento, apenas para que não
precisássemos repetir a mesma experiência negativa, uma vez que em casos
críticos, isso poderia ser fatal. A lógica é simples, um erro deve
servir de referência para os acertos, nunca de referência para novos
erros.
Memorizada a experiência, está resolvido o problema. E temos cinco
sentidos e mais traços do nosso temperamento inato que estão
encarregados de avaliar o que é mais adequado ao nosso bem estar. E se
os cinco sentidos somados às nossas idiossincrasias trabalham como
sensores para aferição, há o órgão hospedeiro, para onde são
encaminhadas todas as impressões sensoriais. Ali tudo é documentado,
memorizado, tudo que é experiência gravada, seu nome, cérebro.
Assim, pela lembrança, sabemos tanto quais são os eventos que podem nos
prejudicar, quanto aqueles que podem nos beneficiar. Um evento, efeito,
qualquer que seja, nunca poderá estar dissociado do seu objeto, a causa
que o motivou. Desse modo, há sempre um objeto que nos conecta
diretamente com qualquer problema, seja qual for sua natureza, cujo
resultado seja capaz de proporcionar insatisfação ou prazer.
Não é do escuro que temos medo, mas daquilo que supostamente se esconde lá dentro...
Se temos receio de alguma coisa, o fato de estarmos conscientes desse
receio, não resolve nada. Temos medo de muita coisa. Medo do fracasso,
medo de não agradar ao esposo ou a esposa, medo da obscuridade
existencial. Saber disso não ajuda em nada à superação destes medos.
A solução mais simples para se atravessar um rio caudaloso, certamente
que não é a construção de uma ponte, especialmente se estivermos com
pressa e sem os recursos para isto. Podemos fazê-lo nadando. Mas,
podemos ficar horas, ou dias, imaginando, ruminando, perdido em
elucubrações, sobre o que pode nos acontecer durante a travessia. No
entanto, e se o rio apesar de caudaloso, e da aparência hostil, fosse
raso e suas corredeiras fracas? Poderíamos então atravessar simplesmente
caminhando.
Entretanto, para descobrir se ele é raso, precisamos nos aproximar e
examinar suas águas, e assim conhecê-lo melhor. Mas, nosso pensamento
está contaminado, condicionado pelo princípio da crença. Ele
dificilmente duvida de alguma coisa, por isso mesmo nunca investiga a
veracidade e consistência de nada, inclusive, de suas próprias ideias e
certezas.
Mas, o que é o medo, o racional, psicológico, afinal de contas? Será um
estado emocional, um mecanismo de origem natural, do qual foram dotados
todos os seres vivos, ou algo exclusivamente humano?
Nos animais irracionais há uma condição que é o sentido de preservação,
mas esta não é medo, uma vez que não pode ser racionalizado, calculado,
medido, conscientemente avaliado. E essa condição não podemos
classificar como medo, uma vez que não há uma causa conscientemente
definida. Nesse caso existe apenas o sentido involuntário e instintivo
de preservação em ação.
O medo como o conhecemos e vivenciamos é uma condição essencialmente
racional e emocional, pois só podemos temer aquilo que conscientemente,
com lucidez, seja capaz de nos fazer algum tipo de mal, portanto, algo
conhecido. Assim, não existe medo sem motivo. Uma coisa é certa, como
não existe medo sem causa, a causa de qualquer medo, já é virtualmente o
próprio medo.
E há em nós também o medo instintivo, involuntário, e a este chamamos de
prudência. Sabendo que ao cair em um buraco posso me ferir, evitar o
buraco é necessário, mas não será preciso temê-lo. Isto é precaução
voluntária, lúcida, e aí não existe medo. E há o medo psicológico. Este é
irracional, não depende de uma ameaça concreta, não têm causas
aparentes. Foi criado pelo pensamento, baseado em deduções e
estatísticas, em teorias, em sugestões, é nesse tipo de medo que
estamos, nesse momento, interessados.
A essência do medo, o psicológico, está toda centrada na
imprevisibilidade, na expectativa pelos resultados. Temos medo das
consequências, por isso somos tomados pela irracionalidade. O pensamento
fica confuso, não sabe lidar com a situação, por isso busca nas
respostas prontas, contidas em suas memórias, um esclarecimento capaz de
ilustrar de uma forma que lhe pareça adequada, objetiva, toda situação.
Mas, o que pode parecer adequado, sensato, para uma mente confusa,
desorientada, tomada pelo temor?
E está exatamente aí raiz do problema. A irracionalidade é a falta de
pensamentos coerentes, é patológica, é o fanatismo, a alienação, a falta
de coerência, a lavagem cerebral que me condiciona, me induz a seguir
padrões, sem que, em momento algum, exista uma trégua para reflexão. Um
cérebro condicionado nunca aprendeu a pensar, a questionar, duvidar, por
isso prefere imitar. Está repleto de crenças, se recusa a questionar a
veracidade de qualquer coisa. Deixou de ser curioso, por isso se tornou
irracional, mecânico, acredita que seus temores são coisas reais, assim
como, aparentemente o são, todo seu repertório de crenças pessoais.
Descobrir do que temos medo, só tem valor, se também estivermos
dispostos a descobrir porque o temos. E descobrir porque o temos, só tem
valor se estivermos dispostos a compreender esse medo, como ele é capaz
de nos afetar emocionalmente e fisicamente, quais são os seus prováveis
efeitos e desdobramentos.
Saber que temos medo, isso todos já sabem. Saber do que temos medo, isso
também não é nenhuma novidade, uma vez que o motivo é o próprio medo.
Questionar porque temos medo de tais coisas, pode ser o início da
solução para o problema. Ocorre que não queremos nos aprofundar nos
motivos que acabam por despertar em nós o medo, eles podem revelar
particularidades nossas que preferimos ocultar, esquecer, ignorar.
Assim, compreender tudo isso, pode revelar porque as causas, para nós,
agora constitui um problema.
No entanto, se estou de fato disposto a examinar porque aquilo me
amedronta, preciso olhar também porque tenho medo das consequências, e
enumerar cada uma delas. Depois irei avaliar se tudo isso é racional, se
tem lógica, se é verdadeiro, se meus temores estão ancorados em fatos,
evidências irrefutáveis, e não em ideias, crenças dogmáticas, mitos,
fantasias sem lastro consistente.
Se me sinto inseguro por ser incapaz de assumir responsabilidades,
preciso me perguntar qual é o verdadeiro motivo dessa insegurança. Deve
existir algum receio, uma consequência que me atemoriza. Essa
consequência está amparada por fatos, é coisa real, concreta,
comprovada, irrefutável? Ou, ao contrário, tudo não passa de suposições,
traumas, conjecturas, ou ilusões resultantes de uma lavagem cerebral
que condicionou meu cérebro ao longo dos anos, criando em mim um
comportamento sugestivo e patológico, razão pela qual sempre procuro uma
resposta mecânica diante da situação.
Ser inseguro é ser medroso, é ser covarde, é não ser capaz de assumir
riscos. Mas, esta descrição está muito longe de significar o estado de
insegurança em si, e assim, ao me deixar levar pela descrição, não me
permito compreender e investigar, sentir, constatar em mim, o real
significado daquele estado.
A coisa é simples, se sou inseguro, há um motivo, sem esse motivo não
haveria insegurança, e isso deveria me bastar para compreender a coisa.
Procurar meios de mascarar minha insegurança não resolve o problema.
Preciso constatar que ela existe, que é real, e o mais importante,
admitir que a tenho. Se admito, posso descobrir as causas e resolver de
vez a questão. Pronto, conhecendo os motivos, reconhecendo meus limites,
onde estão meus pontos fracos ou falhos, posso ir além deles.
Como poderei livrar-me de uma falha que há em minha personalidade, se
não reconheço, comprovo, admito, que tal coisa exista em mim? Sem a
constatação do problema, não haverá caminho para investigação da
patologia. Uma doença sem diagnóstico é uma doença para a qual não
existe cura.
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